Voto de cabresto na atualidade e sua repercussão na esfera trabalhista

As eleições Municipais se aproximam e diante do acirramento dos ânimos, que é próprio do período eleitoral, há um sem-número de situações interessantes com repercussões jurídicas que por vezes só são concluídas anos mais tarde.
O fato a seguir narrado é um exemplo disto, pois ocorreu nas eleições de 2012, mas somente foi concluído em data recentemente, através de decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina. Destaca-se que a situação a seguir descrita promove uma peculiar conexão entre duas áreas do direito que ordinariamente não possuem proximidade, mas que no caso em análise aproximou o direito do trabalho ao direito eleitoral.
Antes de entrar nos pormenores do caso em concreto é necessário recordar da expressão “voto no cabresto” que é largamente utilizada no direito eleitoral, pois indica um sistema de controle de poder político, onde alguém (antigo coronel) através de violência ou grave ameaça obriga os eleitores do seu “curral eleitoral” a votarem nos candidatos apoiados por si.
Ao se analisar o conceito acima, o leitor desatento pode pensar que trata-se de sistema vigente durante a República Velha (1889-1930) ou que só ocorre nos rincões esquecidos do interior do Brasil, já que que não mais se amolda aos dias atuais em que a informação e o conhecimento estão a disposição de quase todos a qualquer hora e lugar.
O caso a seguir descrito demonstra como o voto de cabresto ocorre na atualidade, bem como  uma das suas possíveis repercussões no direito do trabalho.
Trata-se de situação verídica, que ocorreu na mais populosa cidade do estado de Santa Catarina, em que ex-trabalhador de uma grande empresa de vigilância entrou com uma ação trabalhista solicitando a condenação da mesma em danos morais. Alegou o trabalhador que seus superiores hierárquicos o teriam pressionado a apoiar e votar um determinado candidato a vereador e prefeito, bem como que deveria convencer seus demais colegas ao mesmo, tendo em conta que o trabalhador exercia um cargo de coordenação. Ocorre que referido pedido veio acompanhado de ameaças reiteradas no sentido de que se os candidatos não ganhassem as eleições o Reclamante e os demais colegas seriam demitidos.
Abertas as urnas e constatado que os candidatos não se elegeram as ameaças se confirmaram e os colaboradores da empresa que não apoiaram os candidatos foram sendo sistematicamente demitidos, sendo que a cada demissão o superior imputava ao Reclamante a culpa pelo fato de não haver convencido os colegas a votar nos candidatos, sendo esse fato descrito como uma verdadeira tortura psicológica.
As imputações feitas foram comprovadas em juízo, onde foi constatado que os prepostos da empresa ré efetivamente se valeram da ascendência hierárquica e do poder empregatício para compelir o autor da ação e os demais colegas a votar em determinado candidato.
Extrai-se da decisão que pouco importa se o trabalhador efetivamente votou ou não no candidato, ou mesmo se os candidatos conseguiram ou não se eleger. A conduta da ré ofendeu o direito ao voto livre e conforme a consciência do eleitor, estabelecido no artigo 14 da Constituição Federal de 1988, e, em última análise, ao próprio Estado Democrático de Direito previsto no artigo 1º da Carta Magna, sendo que a conduta abusiva consistiu em condicionar a manutenção do empregado ao exercício do direito a voto em favor de determinado candidato.
A decisão pontuou ainda que por se tratar de ofensa a direitos fundamentais do trabalhador, é cabível o ressarcimento do prejuízo experimentado, que, no entender do magistrado foi classificado como dano moral proveniente da figura do assédio moral, diante das reiteradas ameaças de dispensa efetuadas ao trabalhador e seus colegas que não votaram no candidato indicado pela Ré. Colaciona-se abaixo a ementa da decisão do TRT/SC:

DANO MORAL. INTIMIDAÇÃO DE EMPREGADO PARA VOTAR EM CANDIDATO INDICADO PELA RÉ EM ELEIÇÕES MUNICIPAIS. ILICITUDE CONFIGURADA. Comprovado ter o gerente da ré pressionado o reclamante a votar em determinado candidato na eleição municipal, resulta configurado o abuso do poder patronal na relação de hierarquia e subordinação inerente ao vínculo de emprego, impondo-se a manutenção da reparação moral. TRT/12ª Região – RO nº 0001762-15.2014.5.12.0030, julgado em 14/07/2016. Relatora: Drª Mirna Uliano Bertoldi)

A situação acima tratada comprova que o ditado popular “Eleição na terra, tempo de guerra”  comporta temperamentos, tanto na esfera eleitoral quanto na área trabalhista, sendo que em relação a esta se assinala que apesar de a empresa deter poderes para dirigir o trabalho dos seus empregados subordinados não pode extrapolar direitos fundamentais do trabalhador como, por exemplo, o direito ao voto livre e conforme a sua consciência.

Escrito por Franciano Beltramini em 03/08/2016.

Gastos eleitorais não previstos em lei – necessidade de correlação das despesas com as atividades de campanha – seguro de vida – Por André Gurgel

Não é incomum que no decorrer da campanha surjam dúvidas quanto à autorização para realização de despesas que não estejam expressamente arroladas na legislação. Assim é a dúvida quanto à contratação de “seguro” no curso da campanha.
Como é de conhecimento a legislação define o que deve ser entendido como “gasto eleitoral”. Daí decorre a leitura de que não é o candidato, comitê financeiro ou partido quem define no que, e, aonde “gastar” os recursos de campanha.

As despesas qualificadas como “gastos eleitorais” devem necessariamente estar contempladas em um dos incisos do art. 26 da Lei n. 9.504/97 (reproduzido no art. 30 da Resolução/TSE n. 23.376/12).
Fora desse rol o gasto não está autorizado.

É verdade, contudo, que a enumeração legal dos gastos eleitorais não é exaustiva, não se dá numerus clausus. A redação dos incisos é, em alguns casos, bastante vaga, permitindo interpretação ampliativa a partir do caso concreto. É a hipótese, por exemplo, do inciso VI do art. 26 da Lei n. 9.504/97 (reproduzido no inciso VI art. 30 da Resolução/TSE n. 23.376/12), in verbis:

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta lei:
(…)
VI – despesas de instalação, organização e funcionamento de Comitês e serviços necessários às eleições;

Trata-se de dispositivo legal que faz uso de termos com grande amplitude de significado (em destaque, “despesas com serviços necessários às eleições”). Obviamente, que a expressão contempla uma gama bastante variada de despesas. Portanto, a literalidade do texto não é suficiente para a resposta. Nessas situações o socorro vem de outro lado, do critério de interpretação fixado pela jurisprudência das Cortes Eleitorais.

Assim, diante de uma despesa não expressamente contemplada em um dos incisos do art. 26, deve-se perquirir pela correlação da despesa com as atividades de campanha. Nessa linha, existe precedente do TSE considerando ilegal a contratação de um serviço de consultoria ambiental a fim de elaborar as ações e propostas constantes do plano de governo de determinada candidatura. Obviamente, que o caso noticiado pelo TSE apresentava particulares (tal como o elevado valor pago) que motivou o Tribunal a lançar suspeita sobre a despesa lançada. Entretanto, o precedente revela que o Judiciário está atento.

Por essa ótica, poder-se-ia dizer que, aparentemente, há certa razoabilidade (considerada a correlação da despesa com os trabalhos e serviços envolvidos na campanha) na contratação de seguro de responsabilidade civil a fim de cobrir eventos decorrentes do uso de veículos pela equipe de campanha. Assim como, há certa razoabilidade na contratação de seguro contra danos/furto (e sinistros dessa ordem) envolvendo os equipamentos expostos a uso contínuo na campanha. Do mesmo modo, possível a contratação de seguro pelo candidato, partido ou comitê que tenha por objeto cobrir eventos (tais como, acidente de trabalho incapacitante) envolvendo os colaboradores de campanha.

Contudo, no caso de seguro de vida (exclusivamente), considerando que normalmente (atentando-se aos padrões normais de contratação) não é benefício constante de contrato de trabalho a cargo do empregador, haveria necessidade de identificar (e bem fundamentar) uma razão que justificasse a realização da despesa.

Não creio que seja tarefa fácil achar uma razão para tanto, considerando que o trabalho desempenhado por cabos eleitorais (em situações normais) não apresenta sequer periculosidade.
Esse tipo de benefício indireto (que não guarda correlação com a campanha) somado aos altos valores pagos aos cabos eleitorais, podem trazer o risco de responsabilidade por abuso de poder econômico.

Assim, levando em consideração essas referências de raciocínio, é preciso cautela na contratação de gastos não autorizados pela legislação e que não guardem correlação direta com o objeto dos trabalhos.
Contudo, havendo razão no caso em concreto a justificar a contratação, fica ao menos a sugestão para que o pagamento se dê com base em valores de mercado e, percentualmente, tenha pouca representatividade em relação ao gasto total da campanha.

26.07.2012

André Luís Holanda Gurgel Pereira